
Crônica: O falso prazer, o tráfico e a hipocrisia
Esta é mais uma crônica a jornalista Luciana Maximo.
“Quem não tem pecado que atire a primeira pedra.” Começo com esta citação bíblica para parafrasear nossa realidade. Divido com vocês, amigos leitores, um problema de saúde pública, e a meu ver também de desestrutura familiar: a dependência química e os desfechos cruéis que ela traz.
São incontáveis os casos que se tornaram manchetes, viraram crônicas recheadas de fragmentos de dor. Em Cachoeiro, por sete anos fui repórter policial. As manchetes sangravam todos os dias.
O pobre viciado não tem futuro, e o rico que se perde também acaba com tudo e depois paga o preço. Às vezes destrói toda a família ou, em casos extremos, o viciado mata os próprios pais, como já descrevi: um filho matou a mãe a marteladas e a paciente que ela cuidava morreu de fome.
Tive um amigo, um grande educador. O maldito crack o destruiu de forma cruel. Virou vapor nas vielas da Bernardo Horta e Capitão Deslandes, vendendo droga às garotas de programa. Acabou assassinado por um traficante, cuja camisa suja de sangue jogada do algoz fora descartada numa lixeira, ao lado de um beco fedorento perto do mercado.
A mim, restou um poema, publicado no livro Rabo de Olho.
Eu também experimentei essa merda. Naquela época, a cocaína era boa, e eu estava cercada de “bons amigos”, incluindo até um padre doutor. Depois de uma noite inteira de rock’n’roll, percebi que, no fundo, só havia vazio. Minha alma vagava dentro de mim, e eu, como um moribundo, só queria morrer. Frequentava todos os bares, até os prostíbulos, bailes e micaretas… Jurava que estava curtindo.
Perdi o rumo. Na faculdade, levei pau várias vezes. A vida perdeu o sentido, mesmo com a literatura pulsando dentro de mim. Cheguei a pensar em me matar. Estava sem direção, sem sonhos, sem metas. Descia ao fundo do poço.
Foi então que minha eterna professora de Literatura Infantil, Sônia Coelho, me pegou no colo e me indicou à terapia. Descobri que havia algo especial em mim, um dom que não podia desperdiçar. Eu não poderia morrer, nem perder o melhor da vida: a própria vida.
Era hora de parar, de me formar e, finalmente, me tornar professora. Parei, recomecei. Acabei indo para o jornalismo e, depois de uma publicação, me apaixonei pela crônica policial.
Foi quando precisei decidir o que realmente valia a pena. Minha família não sabia de nada. Eu estava vivendo minha própria vida, meus dramas, e uma falsa felicidade. Morava com amigos, sem regras.
Hoje, minha vida é diferente. Conquistei uma família linda: Ana, eu, vovó, Agatha, nossos gatinhos Larica, Lilica, Pérola, e Toby, meu pastor alemão. Tudo ganhou poesia. A libertação do cigarro, das drogas, me mostrou um novo caminho.
Infelizmente, todos os dias, retrato o drama da ilusão cotidiana. Na esquina da Mathilde Rohr, perto da nossa casa, a gente perde a conta de quantos dependentes perambulam atrás do nada, dia e noite.
E nas manchetes de todo dia, um assassinato. Em algum lugar, alguém está devendo ao tráfico, há disputas por território e acertos de contas. Em vielas, becos ou na areia da praia, corpos tombam a facadas, pauladas, pedradas, tiros, porradas.
Estou cansada de repetir essas manchetes todos os dias, e não vejo nenhuma mudança à vista. O que se fala são só teorias e palanques oportunistas.
Tem gente que coloca a culpa na polícia, na segurança pública. A hipocrisia fede. A polícia luta contra um monstro que nunca morre. Doutores, políticos, professores, médicos, artistas, todos são consumidores.
Os nóias, são coitados que pagam com a vida estrebuchada numa estrada de chão batido, embaixo de uma castanheira, numa praia deserta, é mais o corpo morto a pedradas, carregado num saco preto para o rabecão.
E o que adianta leis para punir assassinos que não têm nada a perder? Será que os criminosos que mataram o “Pop Rua” no lote lá no Lago Azul estão preocupados com o júri popular? Ou os que esfaquearam aquela pobre mulher e depois arrastaram o corpo e pela porta dos fundos da cozinha jogaram num matagal, querem saber quanto tempo vão cumprir na cadeia? E o assassinato dos donos do hotel sogros do ex-prefeito de Cachoeiro, que mataram até os cachorros? Vocês viram a cara deles?
E quantos de nós, com os vidros dos carros luxuosos fechados, fingimos não ver as vítimas desse horrendo submundo? Enquanto não for com meu filho, não é problema meu.
O traficante alimenta prazeres insanos, dependentes que pagam caro por uma mistura de pó, e pedra, e acabam, quase sempre, numa vala.
E aqueles dispostos a disputar a boca de fumo da facção, perdoem minha franqueza, vão acabar no rabecão para serem necropsiados e enterrados no outro dia.
Chegou a hora de pararmos com a hipocrisia de achar que o problema se resolve com câmeras e polícia nas ruas. Não senhores! Eles matam sem piedade. O problema está dentro de nossas casas, e o poder público não dá conta, porque o sistema precisa de uma sociedade doente para fazer de conta.
As celas já estão lotadas de assassinos comendo de graça sem produzir nada de útil à sociedade. Se ao menos trabalhassem para pagar o papel higiênico, talvez valesse uma pena maior pelos seus crimes, porque senhores, este é o destino da maioria que se envolve nessa merda que já sabemos qual é. Infelizmente, meritíssimo, enquanto eu escrevo mais esta crônica, alguém fuma numa lata ou cheira num canudo de prata. E quem vende, só quer o seu. Não importa o preço, porque a vida não vale nada. Foda-se se você está em uma quebrada…