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Como são fortes e valentes essas mulheres

Crônica de Luciana Máximo

Como são fortes e valentes essas mulheres. Ainda são 3h55, vou beber água e, ao abrir a geladeira, vejo que só há uma garrafinha de água. Decido então encher as garrafas. O filtro está vazio. Ao abrir a torneira para preenchê-lo, me deparo com o escorredor de pratos cheio de vasilhas que lavei no final da noite anterior. A cada leiteira de água no filtro, guardo um pouco da louça.

Os gatos estão ao meu redor, pedindo comida. Já são 4h10. Já não vale mais a pena voltar a dormir. O silêncio da madrugada me traz paz para escrever, sem mensagens urgentes a atender…

Olá, senhoras! Agora, sinto-me totalmente uma de vocês. E escrevo estas mal traçadas linhas.

No quarto, Ana está sentada na cama, com dor nas costas (Ana, a outra metade de mim). Uma massagem pode aliviar o desconforto de ficar sem se mover desde o último dia 31, após a cirurgia… E aqui estou, tentando aliviar a dor que ela sente. Porque a dor dela também dói em mim.

Vovó dorme como um anjo, e Agatha está no colchão, no chão… Já se levantou algumas vezes chamando por Lu. Ontem, no banheiro, ela me disse: “Lu, você cuida de mim, de mamãe, de vovó, de todo mundo… da casa, de Toby, dos gatinhos…” Eu respondi: “Filha, precisamos sempre nos amar, e nossa família somos nós. E os nós, esses nós, são para desamarrar e seguir sempre lado a lado – a cada resmungada, a cada gemido, a cada sorriso, a cada refeição. Somos nós por nós mesmas… Eu, você, mamãe, vovó, os gatinhos, o cachorro e as plantas.”

Os galos cantam nos terreiros. O dia amanhece, já são 4h30. Os galos cantam nos terreiros, nos fundos da nossa velha casa rosa, que agora é galho seco. Os pássaros assoviam nas árvores do quintal e também na castanheira à margem da rua.

Embaixo da mesa da cozinha, a pequena Pérola brinca com uma caneta rosa, provavelmente de Agatha. Pérola é nossa gatinha mais nova, a pretinha. Larica deixou o tapete de onde me observava, como se estivesse agradecida pela sua refeição. Não avisto Lilica, provavelmente ela está em cima da geladeira. Seu tratamento está em dia, com remedinho misturado na carne que ela adora.

O silêncio da madrugada é quebrado pelo som da gota de água que cai da vela no filtro de barro sobre a pia da cozinha.

Vossas senhorias, vossas excelências, ilustres e queridas donas de casa, não sei qual substantivo transformar em adjetivo para me referir a cada uma de vocês, amadas. Decidi sugerir um projeto de lei aos executivos municipais e até políticas públicas na próxima conferência municipal das mulheres.

Tenho certeza de que todas, as que zelam por seus lares, que cuidam dos filhos e respeitam seus maridos e esposas, sem exceção, são merecedoras de todo afeto, respeito, honrarias e direitos – nenhum direito a menos que os garantidos na Carta Magna, se é que ela existe…

Direito a um salário digno por todo o trabalho em casa. Por não deixar ar um único detalhe, com seu olhar atento de mulher e mãe. Direito a bônus pelas roupas que lavam, am e organizam nos armários, guarda-roupas, cômodas ou até caixas de papelão. Direito a receber flores todos os dias por todas as refeições que preparam: o café da manhã, o lanche, o almoço, a sobremesa, a merenda da tarde, o jantar…

Sim, senhores, sem gritar: cada reclamação deveria ser acompanhada de uma tarefa não cumprida: jogar o lixo fora, encher o filtro, as garrafas, cuidar dos animais, pôr a roupa para bater, lavar o banheiro, descascar o alho, fazer as compras.

Depois de viver este novo capítulo da minha vida, descobri o quanto a mulher não tem valor nesta sociedade patriarcal e machista. A eles, tudo! Os melhores cargos, os melhores salários, as pompas, os palanques, as decisões como se soubessem alguma coisa. Não sabem o que falta na dispensa da cozinha, no armário da cozinha. Alguns são fracos e não ariam, se fossem mulher, uma cólica menstrual e jamais um parto normal.

A nós, todas as tarefas, e ainda temos que “dar” conta com cólica, menopausa, cansaço, estresse, doenças, depressão, angústia, tristeza, relacionamentos desgastados regados a arroz com feijão, sem direito a férias, sem direito a uma viagem por ano, sem direito a um buquê de flores no aniversário, sem nenhum direito. Eu sei que tem homens e homens.

Ontem: lavar roupas e limpar a geladeira ao mesmo tempo

Era 5h00 quando acordei ontem. Confesso que me enrolei um pouco na cama até às 6h00. Já sabia que tinha roupa na máquina, e, como estava com defeito, lavei logo cedo. Enquanto torcia e mergulhava no amaciante, fui descongelando a geladeira.

Deu 7h00. Café na mesa, hora do primeiro medicamento de Ana. Mas antes, era preciso levar o café com leite e o pãozinho. Ela já estava enjoada de aipim frito, banana cozida, rosquinha e pão cevado.

O banheiro precisava ser higienizado, assim como o lavabo ao lado de fora. O lixo foi o primeiro do dia, bem antes do caminhão ar.

Tinha as plantas para regar, Toby para alimentar, trocar a água dele, soltá-lo e deixá-lo correr um pouco, brincar. Precisava também ir ao vidraceiro decidir o alumínio do guarda-corpo da nossa nova varanda. E ainda falar com o pedreiro.

Às 9h00, hora do banho de Ana, trocar o curativo. Ela está operada, substituiu a prótese do quadril e ficou acamada, com várias limitações. Ainda bem que Catarina está aqui.

O jornal não pode perder a notícia. A pauta do dia: volta às aulas, Procon, direito interrompido por uma ação errada de uma servidora comissionada, aula-show do chef africano no Ifes, motociclista atropelado por carreta na Serra, obsessão e rituais macabros, ex-inspetor penitenciário mata rival em Vitória, desvio de recursos da associação em Anchieta, desvio milionário de encomendas e afastamento dos funcionários dos Correios no ES, Espírito Santo dobra a quantidade de embarques de cafés para a União Europeia e outras.

E-mails para olhar, WhatsApp para responder, direct com sugestões e reclamações, e o site com problemas…

Já estava na hora de preparar o almoço. Quase me esqueci que, na hora em que fui comprar o pão, comprei a broinha e já havia cozido aipim para levar à vovó. Dei um pulinho lá.

Na correria do almoço, Ana com dor de cabeça e pressão alta, angustiada com saudades da vovó e preocupada com a fraqueza e a dificuldade para andar. Decidi buscar a vovó para ficar ao lado da neta e tentar deixar Ana mais confortável.

Chamei um médico amigo para avaliar Ana, o joelho está muito inchado.

E fui para a cozinha fazer o almoço. Tive que pedir ajuda à Catarina, porque estava em cima da hora para sair para minha audiência no Fórum de Marataízes. Era outra causa na justiça que eu precisava resolver. Mas o fogão velho estava muito lerdo e eu não conseguia tempo para comprar um novo, mesmo com o dinheiro na conta. Aliás, minha agenda não é cumprida desde a última sexta-feira.

A audiência e sentença

Na ida a Pérola Capixaba, 160, 140, 110, 60 por hora… segurando no volante, entreguei nas mãos de Deus a sentença, pedi que Ele fosse o juiz, que auxiliasse a dra. Carolina. Fui, cheguei a tempo e o autor da ação não compareceu. O juiz arquivou o processo. Tive a certeza mais uma vez de que, quando se tem fé e entrega nas mãos de Deus, não há causa que não seja resolvida. Deus é Deus! Creiam na Sua Grandeza, magnitude, perfeição e misericórdia. Deus é Pai!!!!

Voltei para casa, parei na estrada, comprei abacaxi de Marataízes na banquinha em frente ao quebra-molas da Marinha. E na pamonharia, comprei pamonha para a vovó e para a Ana e bolo de milho. Estava na hora do café da tarde.

Neste meio tempo, meu amigo dr. Glauco chegou em nossa casa. Ele avaliou o estado de saúde de Ana e sua recuperação pós-cirurgia. Vovó segurou as mãos dele e perguntou se a visita já tinha acabado. “A consulta não é uma hora, doutor?” Perguntava vovó sem saber que naquele momento era um amigo médico na minha humilde casa de telha e janelas de madeira com trincos.

Que dia sensacional, amigas donas de casa. Ainda havia outras coisas para fazer. Tudo isso levando comadre para lá e para cá, trocando fraldas, medicando, levando frutas, café e água nas camas. Agora, são duas queridas e amadas no nosso quarto. Vovó quer o gatinho dela e pergunta se a casa é a nova que o velho terminou na sexta-feira. Ela está confundindo tudo na mente. Dizia que o velho, o vovô, havia acabado de fazer a casa na semana ada, mas ele já faleceu há mais de 20 anos. E ela não se deu conta de que estava na casa da neta, que aqui era a casa da sua filha.

Agora é hora de atualizar os stories do jornal e os anúncios da Feira do Sol. Mas eu ainda tinha que fazer o jantar: polenta, frango frito (que vovó ama), arroz, feijão, purê de batata e abobrinha verde refogada.

Fiz apenas uma carta de correção de uma nota fiscal, postei três ou quatro stories das manchetes publicadas no site e me entreguei ao jantar. Deu 22h00. Eu precisava de um banho. Já havia servido o jantar para Agatha, vovó e Ana. Eu iria comer depois, porque era necessário dar comida à vovó na boca, senão ela não ia comer.

Ana precisava se sentar na cama para aliviar as costas. A roupa ainda estava no varal, seca. Era preciso recolher, dobrar e guardar, tudo no devido lugar.

Perdi as contas de quantas vezes troquei as sacolas das lixeiras, de quantas vezes coloquei comida aos gatinhos. Ainda bem que Agatha voltou de férias da casa do pai. Mas estava com tanta saudade de Hyalana que tinha de deixá-las brincar e elas reviraram o quarto de brinquedos, dançando pra lá e pra cá.

As senhoras, donas de casa, são muito mais do que vossas excelências. Eu prometo que vou defender cada uma de vocês. Vou sugerir salários, recompensas, bonificações, flores, bombons e um dia de princesa por semana. Férias duas vezes por ano, 13º e um belo presente de Natal. Todos estão proibidos de ofender, magoar, ferir ou deixar triste a mulher que têm em casa, senhores! E, se houver violência doméstica, quero ser a primeira a denunciar e pedir ao delegado que os prenda.

Agora já são 5h10. Vou fazer o café e jogar o lixo fora. Quero voltar à academia. Estou com dor nas costas, gorda e cansada. E o dia hoje promete. Já começou com assassinato na praia.

Bom dia!

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