
Bem que eu me lembro, da gente sentado ali…
A crônica foi publicada na Folha do ES há cerca de 21 anos, quando Helena ainda era criança. Aqui, um trecho adaptado em homenagem à professora Eliege Emídio, uma querida que marcou nossas vidas com seu jeito único de ser.
O Natal de Helena
Não há como esquecer aquela cena que ficou marcada para sempre. Era uma noite de Natal. Como de costume, a gente se reunia todo ano na casa da mãe, na roça.
Ainda não era meia-noite e chovia muito. ei pela Praça Manoel Fricks Jordão, no coração da pacata cidade, para ver se havia alguma movimentação naquela noite tão especial. O que encontrei ali era singelo, mas, para muitos, talvez nem tivesse importância. Havia uma decoração tímida; a casinha de Papai Noel estava acesa e nela, convidadas que chegaram de última hora.
A chuva caía intensamente. Na casa de Helena, quando o vento batia forte, a água invadia a varanda.
Não tinha outro jeito. Helena e Eliege desejavam comemorar o Natal à sua maneira. Para elas, panetone, peru, rabanada, vinho, presentes ou uma árvore cheia de piscas-piscas não eram requisitos importantes. Não havia ceia alguma ali.
Para as duas, poder ar a noite de Natal em um lugar mágico já traria toda a beleza daquela data — afinal de contas, era a festa do nascimento do Menino Jesus.
Helena e Eliege não foram às compras, nem se estressaram na véspera de Natal, andando em ruas lotadas, carregando sacolas e buscando presentes. Elas já tinham o presente ideal: o amor entre elas, que sempre foi incondicional.
E quase nada pediram ao Papai Noel — apenas que deixasse ar aquela noite chuvosa na varanda da casinha dele.
Aquele instante não foi planejado. Era muito comum que as duas fossem para a Praça Central da pequena cidade. Não era algo fora da realidade delas. Um povoadozinho, quase na divisa com o Estado do Rio de Janeiro.
Bem diferente da Cidade Maravilhosa, sempre muito iluminada. Onde elas estavam, poucas luzes brilhavam, ofuscadas pelos chuviscos intensos que caíam das nuvens pesadas e cinzentas.
Helena e Eliege nem precisaram pensar muito. Já que estavam ali, na praça, por que não aproveitar juntas a magia daquela noite?
Eliege foi até um boteco, comprou algumas garrafas de cerveja — que enrolou em jornal —, um refrigerante para Helena e uma porçãozinha para beliscarem. E lá foram as duas. Aconchegaram-se na varanda e ali aram a meia-noite: se abraçaram, conversaram e cantaram.
O trailer de Cizino, na praça, estava fechado naquela noite. Tudo indicava que ele estivesse em casa, com a família, ceando. Como de costume, Eliege nunca ia à praça sozinha. Sempre ao lado de Helena: caminhavam, eavam, brincavam no parque. Helena encontrava os amiguinhos da sua idade, enquanto isso, um violão, um maço de cigarros e uma cerveja acompanhavam Eliege, que sempre tocava o que os transeuntes pediam…
“Bem que eu me lembro, da gente sentada ali, na grama do Aterro, sob o sol, observando hipócritas, disfarçados, rondando ao redor…”
Aconchegadas na varanda, aram ali a meia-noite. Abraçaram-se, conversaram e sentiram o clima de Natal, na chuva que caía sobre os galhos das árvores que margeavam a casinha de Papai Noel.
Já pelas bandas da madrugada, um pobre solitário se aproximou. Debruçou-se na varanda e foi bem recebido. Pediu uma música, tomou um gole, desejou um Natal de paz, e Helena, com seu guaraná nas mãos, ao lado da mãe, recebeu com carinho aquele “aniversariante” inesperado da noite na praça.
Era muito comum: mãe e filha desejavam apenas o sublime — a aproximação com Jesus, o verdadeiro aniversariante daquela noite.
“Mas, se Deus quiser, tudo, tudo, tudo vai dar pé…” — Gilberto Gil
E aquela noite, como tantas, foi mágica. Eliege e Helena aram juntas. E eu estive lá. Testemunhei a cena. Não me lembro bem… Mas talvez já se vão vinte anos, quando Helena ainda era só uma criança — e viveu a magia da noite de Natal, na casinha de Papai Noel, na praça.